O Hospital Municipal de Mogi das Cruzes (HMMC), gerenciado pela Fundação do ABC em parceria com a Prefeitura, tornou-se referência no município para atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
De 2019, quando o protocolo teve início na unidade, até maio deste ano, o serviço soma 147 pacientes atendidos, sendo 88% meninas e 12% meninos. Atualmente, a maioria das vítimas tem cerca de 7 anos de idade. Os dados são da Fundação do ABC.
Um aumento significativo dos atendimentos ocorreu durante e após a pandemia, como reflexo do isolamento social das famílias nas residências. Apenas em 2023 foram registrados 70 atendimentos, quase metade da totalidade dos pacientes já atendidos.
“O isolamento social desencadeou ciclos de violências, sendo um deles o de violência sexual, período quando as crianças ficaram mais expostas e com menos rede de proteção. Com o retorno às atividades dos serviços essenciais, como escola, serviços de convivência e dos atendimentos à saúde, foram identificados muitos casos por meio de mudanças de comportamentos, sintomas físicos, além da própria revelação pela criança”, explica a assistente social do HMMC, Érica dos Santos Cassere.
O protocolo multidisciplinar busca garantir atendimento humanizado em todas as etapas do processo, com foco especial na proteção da vítima e na integridade física e emocional dos pacientes.
Os casos atendidos no hospital ocorrem por demanda espontânea ou são encaminhados pela rede socioassistencial e de saúde do município ou pelo Conselho Tutelar.
A assistência da equipe multidisciplinar é realizada em sala reservada, com o objetivo de manter a privacidade do atendimento. A saída da vítima do local acontece somente mediante a necessidade de realizar exames de imagem.
Após o atendimento na unidade também é realizado o monitoramento do paciente na rede de saúde. Mensalmente é realizado um relatório ao Conselho Tutelar de referência, com a tipificação a violência, o contexto social e a descrição das vulnerabilidades identificadas pela equipe. No documento também constam os encaminhamentos e agendamentos de consulta com médico pediatra e/ou infectologista e à Delegacia de Polícia.
“Tendo em vista que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos, conforme rege o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o protocolo de atendimento às vítimas de violência sexual do HMMC busca estabelecer as intervenções mais adequadas e acolhedoras mediante a esta demanda tão crítica e complexa, por meio de uma escuta qualificada e 100% humanizada. Nosso desafio é evitar subnotificações e formas traumáticas de intervenção. E, obviamente, é fundamental refletirmos coletivamente sobre os múltiplos fatores que incidem sobre o fenômeno da violência sexual”, disse a diretora-geral do HMMC, Amanda Correa da Cruz.
Segundo a Fundação do ABC, a efetividade do protocolo fez com que a Secretaria Municipal de Saúde solicitasse ao hospital, em abril deste ano, a ampliação da faixa etária atendida, que passou de 0 a 12 anos para 0 a 17 anos.
Passo a passo
Ao chegar ao Hospital Municipal de Mogi das Cruzes, a criança e seu acompanhante são acolhidos pelo técnico de enfermagem responsável pela triagem e imediatamente encaminhados à sala exclusiva preparada para tais atendimentos. O enfermeiro classifica o atendimento como prioritário (vermelho) e realiza a coleta de exames, administração de medicamentos e o acionamento da equipe do Serviço Social, bem como de psicólogos e do médico de referência. O atendimento pela equipe de enfermagem é acolhedor, empático e livre de julgamentos. Além da enfermagem, vários outros profissionais acompanham a trajetória do atendimento.
O papel do Serviço Social é seguir com o acolhimento da vítima e do responsável, quando presente, identificando o contexto de violência, suposto agressor, rede sociofamiliar, possíveis riscos e situações de vulnerabilidade. Na hipótese de o responsável presente ser o agente do abuso, a equipe efetua contato com o Conselho Tutelar de referência e solicita o comparecimento de um representante. Se for observado risco iminente à vítima, ao acompanhante ou aos profissionais, a Polícia Militar deve ser acionada.
Já ao profissional médico compete a realização do exame físico, a prescrição de medicamentos, incluindo antirretrovirais, quando necessário. Na apresentação clínica que indica a necessidade de avaliação de especialista, o profissional deve seguir com o pedido de transferência para as unidades referenciadas no município via NIR (Núcleo Interno de Regulação). Em todos os casos em que haja suspeita de violência com contato físico, é imprescindível que os responsáveis pela criança recebam relatório e encaminhamento médico para exame de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal).
Ao farmacêutico, cabe a conduta de dispensar a profilaxia pós-exposição e outros medicamentos possíveis mediante prescrição médica. O serviço de psicologia, por sua vez, procede com o atendimento psicológico à vítima com uso de recursos lúdicos. É necessário avaliar o estado cognitivo e emocional da criança, observar o comportamento, identificar os sentimentos predominantes, investigar o histórico de vida, contexto familiar e possível desorganização social. Quando pertinente, também é ofertado ao responsável pelo paciente atendimento psicológico.
Na fase final, a equipe multidisciplinar discute o caso de modo a expor de forma ética, organizada e cuidadosa os diferentes aspectos do problema. Todas as informações coletadas integram um relatório sintetizado com as condutas tomadas no hospital para posterior envio ao Conselho Tutelar responsável.